quarta-feira, 30 de novembro de 2011

ISSO FOI APENAS UMA CENA CURTA

(O casal está em harmonia. Constantemente se olham amigavelmente fazendo gestos de cordialidade. No silêncio, são extremamente gentis um com outro. Bebem vinho)
Regina: Eu fico muto feliz que a gente tenha conseguido finalmente chegar a essa harmonia.
Luíz: Eu também.
Regina: Mais vinho?
Luíz: Um pouco.
(ela o serve)
Regina: É muito bom concordarmos um com o outro dessa forma.
Luíz: Muito bom.
Regina: Sem ser como esses casais.
Luíz: Sem ser como todos os casais que passam por isso.
Regina: Todos, menos nós.
Luíz: Então, quase todos.
Regina: Isso. Quase todos.
Luíz: Mais vinho?
Regina: Um pouco.
(ele a serve)
Regina: (respira fundo) Hm... como é bom...
Luíz: O quê?
Regina: Respirar. Já parou para pensar nisso? Como é bom respirar.
(ele respira fundo)
Luíz: Realmente é muito bom. Respirar.
(os dois respiram)
Luíz: Nós estamos respirando.
Regina: Sim, finalmente. Estamos respirando. Mais vinho?
Luíz: Um pouco.
(ela o serve)
Regina: Sabe? Eu estou realmente feliz.
Luíz: Feliz?
Regina: Sim. Em poder passar por isso desse jeito.
Luíz: Você quer dizer, leve.
Regina: Pode ser. Leve. Você se sente leve?
Luíz: Como uma pena. Mais vinho?
Regina: Um pouco. (ele a serve)
Regina: Como uma pena. Gostei. Nós somos diferentes.
Luíz: Ainda bem.
Regina: Eu sinto que somos uma espécie de evolução social.
Luíz: Você sente?
Regina: Você não?
Luíz: Pode ser. Talvez vez você esteja querendo dizer que não fazemos parte das porcentagens.

Regina: Isso. Das cotas.
Luíz: Status quo.
Regina: Estatísticas.
Luíz: Não mesmo.
Regina: Não. Mais vinho?
Luíz: Um pouco.
(ela o serve)
Regina: Não mesmo.
Luíz: Não. Mais vinho?
Regina: Um pouco.
(ele a serve)
Regina: Como é bom ter paz quando o momento pede guerra.
Luíz: Gostei.
Regina: Do quê?
Luíz: Dessa frase. Como é bom ter paz quando o momento pede guerra. Parece nome de peça.
Regina: Peça?
Luíz: Peça curta. Cena.
Regina: Tipo esquete?
Luíz: Isso, esquete. Cena curta.
Regina: Como se isso fosse uma cena?
Luiz: Não, não! Não que estejamos fazendo uma cena.
Regina: Não, imagina. Mais vinho?
Luíz: Um pouco.
(ela o serve)
Luíz: Não se deve fazer cena quando o momento é a própria dose de realidade. Aí, mais um nome. Mais vinho?
Regina: Um pouco.
(ele a serve. Tempo de silêncio)
Luíz: Nossa última refeição.
Regina: O último vinho juntos.
Luíz: Um brinde aos últimos momentos.
(brindam. Bebem mais. silêncio)
Regina: O último momento... Quem disse isso?
  Luíz: Vamos apreciá-lo devagar.
(silêncio)
Regina: Mais nada a dizer.
Luíz: Nada.
Regina: É bom assim.
Luíz: É bom.
Regina: Ótimo.
Luíz: Excelente.
Regina: Magnífico
Luíz: Estupendo.
Regina: Incrível.
Luíz: Gratificante.
(tempo. Ela bebe)
Regina: Gratificante por quê?
Luíz: Não sei... Gratificante. Mais vinho?
(silêncio)
Luíz: Mais vinho?
Regina: (tempo) Explica.
Luíz: O quê?
Regina: O gratificante. O que é gratificante?
Luíz: Gratificante? Sei lá... foi só uma expressão, um modo de dizer.
Regina: Desenvolva.
Luíz: Oi?
Regina: Desenvolva.
Luíz: Cuidado para não entrarmos no status quo...
Regina: Desenvolva.
Luíz: As estatísticas.
Regina: Desenvolva.
Luíz: A gente tava indo tão bem.
Regina: Desenvolva.
Luíz: Estávamos conseguido, meu bem, não perca o foco.
Regina: De-sen-vol-va.
Luíz: A gente tava concordando com tudo, Regina, não estraga.
Regina: Tudo bem. Eu não vou estragar. Um pouco. (Ele a serve. tempo) Eu só não concordo que a gente concorde dessa maneira.
Luíz: Que maneira?
Regina: O que você quis dizer com gratificante?
Luíz: Eu não quis dizer nada com gratificante. Eu poderia nem ter dito gratificante.
Regina: Mas você disse !
Luíz: Eu disse que nós somos uma evolução social.
Regina: Você não disse isso. Eu disse isso.
Luíz: Cadê a evolução? Os evoluídos não discutem por causa de uma palavrinha.
Regina: Mas não é uma palavrinha qualquer. Você disse gratificante.
Luíz: E?
Regina: Para tudo tem um limite.
Luíz: Para tudo tem seu momento.
Regina: Cala a boca. Gratificante o quê? Se separar de mim é gratificante? Você poderia ao menos ser um pouco mais educado.
Luíz: Eu nem pensei no que falei.
Regina: Mas falou.
Luíz: Eu poderia ter dito por exemplo, dignificante.
Regina: Mas não falou! Mais vinho?
Luíz: Eu sabia que não ia dar certo. Não conseguiríamos. Até concordando a gente briga. Uma merda essa história de leveza, de diferentes. Diferentes o caralho. Não há casal que se separe que consiga sair do padrão. Putz, outro nome para esquete. Um pouco.
(ela o serve)
Regina: Você adora se sair de vítima, quando você é que sempre estraga tudo. Gratificante digo eu!

Luíz: Você parou de respirar.
Regina: Gratificante se separar, né? Depois de tudo o que fiz por você. Depois de todos esses anos de merda que eu perdi com você.
Luíz: Não esquece da yoga, Regina. Respira e solta. Lembra?
Regina: Cala a boca, Luiz.
Luíz; Amanhã você não me verá mais. Ainda dá tempo para recuperar todos esses anos perdidos de merda.
Regina: Não foi isso o que eu quis dizer!
Luíz: Mas disse!
(tempo)
Regina: Isso não devia estar acontecendo.
Luíz: A gente se separar?
Regina: Não! Esses insultos. Por que, para se separar, é preciso haver insultos?
Luíz: Estamos expurgando nossas frustrações. Às vezes é preciso expurgar as frustrações.
Regina: Mas tínhamos combinado que não deixaríamos isso acontecer.
Luíz: Isso foi antes do vinho. Mais vinho?
Regina: Um pouco.
(ele a serve)
Luíz: E se mudássemos de assunto?
Regina: Tipo o quê?
(tempo)
Luíz: Sabia que os casos mais graves de acne aumentam o risco de suicídio?
Regina: E daí?
Luíz: E daí, que o nosso filho é um adolescente.
Regina: E daí?
Luíz: E daí que ele tem acnes.
Regina: E daí?
Luíz: Isso não te preocupa?
Regina: Nosso filho não vai morrer.
Luíz: Nunca se sabe. Os tempos de hoje...
Regina: Por que gratificante?
Luíz: Caralho! Você não desiste!
Regina: Por quê? Por quê? Por quê?
Luíz: Por que não falamos das acnes? Saiu no jornal, então deve ser importante. Temos um filho adolescente.
Regina: Foda-se as acnes. Foda-se o nosso filho. Estamos falando da nossa separação. Dos anos lindos e bostas juntos que vão ser rompidos, dos nosso corpos que serão afastados, da nossa alma rasgada, um corte na nossa história. Será que você não entende? Você poderia ter dito tudo, tudo Luíz. Tudo, menos gratificante. Mais vinho?
Luíz: Um pouco! (ela o serve. tempo)Vamos acabar com isso agora.
Regina: Não! Vamos acabar com isso agora!
Luíz: Não! Vamos acabar com isso agora!
Regina: Não! Vamos acabar com isso agora!
Luíz: Não! Vamos acabar com isso agora!
Regina: Não! Vamos acabar com isso agora!
Luíz: Se estamos concordando, por que estamos brigando?!
Regina: Estamos expurgando nossas frustrações. Foda- se as estatísticas. É preciso expurgar as frustrações.
Luíz: Outro nome bom. Olha quanto nome bom daria para uma cena curta!
Regina: Foda-se os nomes! Você está com ideia fixa em nomes!
Luíz: E você está com ideia fixa em gratificante!
Regina e Luíz: Mais vinho?
Regina e Luiz: Um pouco.
(eles se servem. tempo)
Luíz: Desculpa. Eu não queria dizer gratificante.
Regina: Desculpa, eu não queria me tornar o que eu me tornei.
Luíz: Desculpa, eu não queria te fazer se tornar o que você se tornou.
Regina: Desculpa, eu não queria te fazer me fazer eu me tornar o que eu me tornei
  Luíz: Desculpa, eu não queria me separar de você. (tempo)
Regina: Não?
(tempo)
Luíz: Mais vinho?
Regina: Não? (tempo) Um pouco.
Luíz: Desculpa, acabou.
Regina: Eu sei.
  Luíz: O vinho.
Regina: Oi?
Luíz: O vinho acabou.
Regina: O vinho. (tempo) E agora, o que fazemos?
Luíz: E se mudássemos de assunto?
  Regina: Mudar de assunto? É isso? Então, tá bom. Se é isso. Vamos mudar de assunto.
Luíz: Tem certeza que não quer falar das acnes? Eu acho mesmo um assunto importante. Temos um filho adolescente.
Regina: Por que você quer tanto falar das acnes?
Luíz: Porque amanhã eu vou embora e não conversaremos mais sobre trivialidades.
Regina: Você tem mesmo que ir embora amanhã? (tempo. Ele não responde) Mais vinho? Ah! Esqueci. Acabou.
Luíz: É. Acabou.
Regina: O vinho.
Luíz: É. O vinho acabou.
(tempo)
Regina: Acabou.
Luíz: Acabou.
Regina: (respira) Então tá...
Luíz: (respira) Então tá...
Regina: Voltamos à cordialidade. Isso foi apenas uma cena curta.
Luíz: Isso não foi apenas uma cena curta.
Regina: Sim, isso foi. Mas vamos acabar com ela.
Luíz: Como?
Regina: Me fale das acnes.

FIM

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Adiante


É com você que quero errar para aprender

E assim me reconhecer nos conhecendo mais além


É com você que quero compartilhar a nossa força

E a vontade de construir, de evoluir, de melhorar


É com você que vou sofrer depois sorrir

Que vou chorar depois cantar de alegria


É com você que vou ser eu, o melhor de mim

E sendo assim, serás também


E quando houver desconexão

Vamos nos ouvir, prestar atenção, nos dar as mãos e prosseguir


É com você que vou valorizar o quanto é bom estar com alguém que faz o amor amar.

terça-feira, 15 de novembro de 2011

JORNADA

Quero ser uma mulher tão forte e leve,

Que sempre recomeça quando algo pode declinar.

Vou chegar pelo mar navegando em silêncio e palavras,

Pois o tempo sempre deixa um espaço para colocar as coisas no lugar.


Vou na direção da paz

E saber ouvir os anjos espirituais,

Os anos só existem para nos ajudar nas respostas.


Se faltar carinho, vou desenhar com as mãos.

Se faltar olhar, vou respirar.

Se faltar calor, vou caminhar.

E o destino nunca vai me deixar na solidão.


Quero cultivar delicadeza.

E faze-la imperar em meu ser.

Declamar pelos cantos

A poesia no ato de viver.


Desejar amor.

Não vou mais me machucar.

Pois o que sou agora é o que realmente importa.




Dedicado à amiga Clara Linhart que me ajudou a enxergar

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Um dia estranho



Copacabana, todo dia, dia a dia é sempre igual:  

Obras, carros, apitos, sinais, alarmes, tiros, confusão

É ela, espremida, invadida, poluída, populada

Que se não fosse a praia, a orla, a brisa desviada

Entre prédios acimentados, empilhados lado a lado, colados sem permissão

Já estaria saturada, morta, apodrecida, ferida sem saída.


De repente, um silêncio degradante, ao longe o rádio do vizinho, ou da vila lá de trás.

Vez em quando um latido, alguns pequenos barulhinhos,

Poucos carros, pessoa lentas na calçadas, até o som de passarinhos

Assim, quase triste, sem sentido, um dia estranho e perturbador,

Um mercado aberto lotado, um jornaleiro fechado, sinais parados.


Então entendi. Era um feriado.