segunda-feira, 21 de abril de 2014

instante no calçadão de noite

Às vezes é preciso entender o que corpo pede. Principalmente quando não se sabe mais onde colocar as mãos, depois de "tudo ia normalmente, até que...". O computador havia dado pau.  O seu objeto de trabalho gritou, ficou azul, aquelas letrinhas estranhas surgiram na tela e sem saber o que fazer deu um boot, game over, sei lá o que eu fiz. Ela entendeu isso como um sinal. Tava sufocante demais ficar ali. Ainda mais com aquele ar dizendo "venha". Porque a maior angustia é estar num lugar querendo estar em outro e ter que matar a angustia, engolir seco, comer sapo, ligar a TV e chorar de vazio. Seguiu o caminho mais óbvio. Colocou sua roupa mais sei lá o que. Era pra ser leve. Um short, uma blusa solta. A ideia era deixar o vento fazer da roupa uma extensão do cabelo, esse que meio que prendi, mas soltei, mas prendi e desisti e fui assim mesmo. Olhou pra ela, a Babi. A Babi é prateada, detalhes em vermelho,  recém saída da revisão, um piteuzinho de rodas. A Babi estava linda a sua espera, ansiosa para dar uma voltinha com seus freios novos e um sorriso no guidon. Fomos, nós duas. Ela e a Babi. Naquela hora, sair de casa era enlaçar o controle inexistente das coisas.  Lei it go, meu bem. Vamos sentir o vento, são dez da noite e o calçadão de Copacabana está ansioso pra te ver! 

É impressionante o calçadão de Copacabana de noite. E que fique claro. De Copacabana! Não há nada parecido com Copacabana. É a diversidade que compensa o tédio no final do túnel. Não havia lua. Mas o ar estava sensacional. Perfeito para novos portais. Muitos casais se beijavam, famílias inteiras faziam filas para o camarão no espeto. Nos quiosques ( se é que é ainda assim que se chamam) músicas para todos os tipos. Era exatamente isso o que ela queria: sair da anti-paz do lar e ouvir Lupicínio Rodrigues cantado por um músico empolgado com seus três ouvintes. Mais a frente, rock and roll, man! Se distraiu com um maluco, só que não, que dizia que o mundo acabou e já estamos no purgatório. Quase atropelou o corredor, que não a  xingou porque ficou desconcertado ao ver o sutiã dela praticamente pra fora da camisa com o deslocamento brusco da Babi. Ela ajeitou a camisa e segui sem culpa até o extremo do calçadão. 

Chegou a comparecer no outro bairro, mas que tristeza, que pobreza de espírito. Quase todos os serem humanos iguais, torciam o nariz para os surfistas que, felizes com o acolhimento do mar, faziam arruaça antes de voltar pra casa. Voltei correndo pra Copacabana! Cores, cheiros, músicas, loucos, solitários, melancólicos, alegres, gordinhos, vulgares, sexys... Que delícia! Isso sim é que é vida! Se não se pode ter tudo, se não se pode estar no alto de uma montanha fazendo trekking, e se não foi ao churrasco de feriado, por pura incompetência em fazer esforço para estar em sociedade naquele lindo dia, não haveria melhor lugar para estar agora. A Babi agradecia. 

Foi ao outro extremo, o melhor lugar para ela.  Se Copacabana era alegria, o Leme a nostalgia! O Leme! Porque a pedra que envolve o mar valoriza a beleza da cidade quando o caos quer falar mais alto. E - por pequeno instante - até esquecemos a violência, as dores nos olhos perdidos e esquecemos o carma. O Leme suscita, evoca a divindade. É uma pequena prova da Serra-mar na cidade mesmo. 

Rodopiou umas quatro vezes o bairro. Na pedra acabava um showzinho pop. O lugar tava cheio, mas o rico do prédio em frente não gostou do carnaval fora de época e gritou "cala a boca viado!". Ninguém o ouviu, só eu. E ri de sua pateticidade"Deixa em paz meu coração!" Era o que gritava a bichinha louca, só que não, no banco. "Deixa em paz meu coração! Tô falando com você, tá surda?" Era com ela? Não. Era com a moça que passava com seu namorado impunemente. "Deixa em paz meu coração, que ele é um pote até aqui de mágoa. E se tiver desatenção, faça não, pode ser a gota dágua..." E que belo é ouvir essa música tão densa na voz da bichinha. Se Chico soubesse, poderia até se apaixonar... Vai saber. 

Suspirou... Ai, ai, não queria voltar pra casa. Ia fazer o quê? Escrever essa espécie de crônica? Melhor seria se... Mas enfim. Infelizmente o calçadão começa e acaba. E no meio, ela voltava. Resolvi me despedir ouvindo mais um pouco do Lupicínio. Quase chorou... Lembrou que tava nos dias vermelhos de fúria. Eita, como era difícil, às vezes, se entender em meio a tanta informação. Vamos lá. Sigamos. Assim ela pensava. Porque uns dão importância para coisas que nem passam pela cabeça de outros. Mas é justamente isso que! Vento, obrigada, você acarinhou minha noite. E um beijo, Copacabana. Vou voltar para mais uma de suas janelas indiscretas e terminar a peça que ta me remoendo por dentro, porque a obrigação é a porta para a transgressão.

 Voltou pra casa com leve sorriso nos lábios, mas que nem percebeu, porque pensava em outra coisa. Seu doce porteiro carregou a Babi, essa sim, bem felizinha com o passeio.





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