sexta-feira, 25 de abril de 2014

achados e perdidos


Luna chega no Balcão de Achados e Perdidos do Metrô
Cleia, meio tensa ao celular, vê Luna com olhos arregalados e, a contragosto, desliga.

Cleia: Posso ajudar?
Luna: Que bom ouvir isso! Adoro ouvir "posso ajudar"! Olha! (mostra os braços) Tô toda arrepiada! Finalmente!
Cleia: Posso ajudar?
Luna: Mas é claro que pode! Deve! Suas palavras me fazem chorar. Não, porque, não sei se você reparou, mas hoje em dia ninguém mais se olha nos olhos, muito menos pergunta se pode ajudar...
Cleia: (ríspida) Posso ou não posso ajudar?
Luna: Sim!  Sim! Pode! Eu tô procurando uma coisa.
Cleia: Qual o seu nome?
Luna: Luna. Meus pais queriam me chamar de Lua, mas acharam esse nome hippie demais aí colocaram um "n" no meio...
Cleia: (corta) Cartão, carteira, bolsa, identidade, CPF, celular?
Luna: Oi?
Cleia:  Cartão, carteira, bolsa, identidade, CPF, celular... O que foi que você perdeu?
Luna: Aahhh! O que eu perdi! A mim.
Cleia: "A mim"?! É um tipo de remédio? Se for, acho que não veio nenhum remédio pra...
Luna: (corta) A mim mesma. Eu me perdi.

(pequeno tempo Cleia olha Luna sem entender)

Luna: É o seguinte: há um tempo eu ando tentando me encontrar. E não sei exatamente quando isso começou, sabe? Mas sinto que a a cada dia tá pior. A cada dia eu me perco mais. Me perco de mim, entende? Isso tá me fazendo um mal tão grande... Tô angustiada.  Por isso que eu vim aqui.  Então, você pode ver se eu me acho? 
Cleia: (pequena pausa) Olha, Luna, sinto te dizer, mas você veio ao lugar errado.
Luna: Como lugar errado? Aqui não é Balcão de Achados e Perdidos?
Cleia: É, mas..
Luna: (corta) Então não há lugar mais adequado para eu estar agora!
Cleia: Mas no seu caso, eu não vou poder ajudar.
Luna: Querida, desculpa. Não é uma questão de poder. É uma questão de você fazer o seu trabalho. Apenas isso.
Cleia: Mas é que o meu trabalho não inclui achar pessoas, apenas objetos.
Luna: Mas isso é um absurdo! Aonde está escrito isso?! É por isso que esse país não vai pra frente. Isso é enganação ao consumidor. Exijo uma retratação!
Cleia: Por favor, não levante a voz pra mim!
Luna: Desculpe, não é com você. Eu sei que você só é mais uma funcionária que só recebe ordens, mas você pensa que é fácil?! Você não sabe o tamanho da expectativa quando eu soube que havia esse Balcão aqui no Metrô da Carioca. Você não sabe como me enchi de esperança ao saber desse lugar. Me arrumei toda para o encontro comigo mesma. Fiz até a unha, comprei batom! Aí eu chego e tenho essa decepção?! É muito triste!
Cleia: Triste?! Eu vou te dizer o que é muito triste. Triste é passar o dia inteiro aqui atras desse balcão, num subsolo de um metrô, vendo toda essa gente indo pra lá e pra cá, se movimentando, sabe, movimentando, enquanto eu fico aqui, parada, pensando numa maneira de conquistar o mundo que termina no primeiro almoço do dia, depois que eu como um prato maior que a minha barriga e não tenho mais condições de pensar em nada.. Triste é saber que o Ricardo Freedman que tem cartão internacional do Itaú Personalité nunca virá buscar o cartão, porque provavelmente ele tem outros e pra que se preocupar com isso?! Ou (pega uma foto) a Clara Vianna nunca ira buscar essa foto, que ela tirou nas montanhas de um lugar bonito do mundo. E que eu adoraria estar nessas montanhas como a Clara  e no fundo adoraria que Clara viesse buscar essa foto para, quem sabe, conversar com ela um pouco e, quem sabe, ela me convidasse pra ir na próxima viagem. E eu fico torcendo para virem buscar as coisas. Para ver as pessoas por trás das coisas. E só me resta imaginar e isso me deixa um pouco triste. Agora me diz. Quem tá mais perdida, você ou eu?!

(grande silencio)

Luna: Eu tenho Riviotril, quer?
Cleia: Não, obrigada, eu me viro bem com chocolates.
Luna: Ah...(tempo) Bom, então se precisar de qualquer ajuda, pode contar comigo. Esse é o meu cartão. (entrega um cartão) Tem meu telefone.
Cleia: Obrigada! Desculpa aí o desabafo.(chora)
Luna: Imagina... Não chora! Eu te entendo. 
Cleia: Você me entende? Que bom!
Luna: Vem cá.

 (Luna dá um abraço em Cleia que se debulha em lágrimas)

Luna: Fica calma. Vai ficar tudo bem.
Cleia: Obrigada.

(terminam o abraço)

Luna: Então eu vou continuar por ai tentando me achar....
Cleia: Boa sorte. (Luna vai sando) Luna!
Luna: (para) Oi?
Cleia: Eu saio daqui a meia hora, topa ir no cinema? Ta passando um filme ótimo no Odeon. Hoje é só cinco reais.
Luna: (tempo) Taí! Topo!
Cleia: Quem bom! Eu tava doida pra ver, mas não queria ir sozinha...
Luna: Eu vou comprando os ingressos.
Cleia: Boa.
Luna: Pra que lado é a saída do cinema? 
Cleia: É pra...
Luna: (corta) Achei!
Cleia: Achou?
Luna: Achei! 

O telefone toca. Cleia não atende. Sorri.

Nenhum comentário:

Postar um comentário