Hoje acordei a fim de ser eu mesma, a eu mesma que seja eu, mas que eu não seja a mesma de ontem. O que de mim gera no mundo, não sei. Me interessa o que o mundo gera em mim. Portanto deixo os cálculos para os matemáticos e os terapeutas. Que se nascemos para morrer, melhor morrer de errância que a coragem de não ser quem somos. Pois que para fingir quem não somos tem que se ter mesmo é coragem.
Só sei que agora a primavera cabe dentro
de mim, e o verão, outono, inverno também. Já não me pesam os pensamentos, deles
fiz um conto, e no conto, recortes do não dito.
Me lanço numa enseada de luz
desocupada de domingueira. Nessa tarde de tudo, vou empobrecendo de
palavras enquanto as deposito aqui. Traio o papel e o lápis com
letras digitais, virtuais, para me enganar com a simples ausência dessa
proesia.
Penso em Manoel de Barros, tão ele mesmo
que me faz lembrar o quanto as cigarras se alfabetizam com o silêncio.
Sou agora, então uma cigarra, aprendendo
as vogais da palavra "silencio" que nesse momento completa tantos
sentidos de minha vida.
E o grande poeta ensina que enquanto aqui divago,
formigas transportam infinitamente a terra.
Estarão engolindo o mundo?
Surpreendida estou com a
simplicidade ao mesmo tempo que peno para entender as poesias.
Vou sair e ver o que tanto se parece com
o amanhecer: o por do sol, meu melhor amigo. Depois, angustio vendo a noite ascender o escuro.
Tudo semelha tudo.
Só a coruja atrapalha a
eternidade.
Lembrei de amores que viraram a lua cheia quando a
olho despercebida.
A saudade sou eu mais que a lua.
E agora só penso no desfuturo.
E agora só penso no desfuturo.
Hoje
acordei eu mesma.