quarta-feira, 4 de agosto de 2010

IMPRESSÕES DA VIDA EM UM SHOPPING



Não tinha jeito. Precisava fazer hora no Shopping.



Logo ela que, se lhe perguntassem: “ Qual o último lugar que você iria?”


Ela sem pensar responderia: “Um shopping!”


Por quê? Simplesmente não se sentia bem. Talvez sua alma solta doesse em lugares assim: fechados, com luz branca, lojas ao lado da outra, convidando pessoas a gastarem, não pensarem, aproveitarem, andarem, comerem, e se sentirem consumidores.


Ela não tinha nada contra consumir, só não gostava de shopping e ponto.


Mas naquela tarde chuvosa e fria, precisou entrar em um para fazer hora.


Naquele bairro não havia outra opção. Era shopping ou uma avenida opressora, cheia de veículos, sem calçada. Ou seja, shopping.


A primeira coisa que fez foi procurar um lugar para sentar. Um lugar que pudesse deixá-la um pouco menos desconfortável. Era impossível não se comparar com os outros ali. Se olhou. Não que fosse uma pessoa fora de moda, mas não ligava para ela. Tentou ignorar. Encontrou uma poltrona giratória ao lado de um piano vazio. Provavelmente aquela poltrona era justamente para os ouvintes do músico fantasma e foi lá mesmo que ela se sentou.


Tirou um livro da bolsa. Um livro que estava com dificuldade de ler, talvez ali seria o melhor lugar para tentar se concentrar nele, invés de se comparar com as pessoas em sua volta, que, envolvidas com mil outras coisas, jamais imaginariam que alguém, sentada numa poltrona giratória, estivesse se comparando com elas.


Ler alguma coisa onde a própria vida é a melhor das histórias, pode ser mesmo bem complicado. Difícil não imaginar como vivem pessoas que vão e vem, se vestem das mais variadas formas, andam, param, andam, entram em lojas, saem com com sacolas ou sem elas. Imaginar a história de cada um é um pequeno prazer que ela mantinha nos segundos íntimos de seus dias. Naquela tarde chuvosa, quem eram aquelas pessoas no shopping?


Mas o livro também a chamava, tinha que equilibrar seu tempo antes da hora esperada do médico.


Chegou muito antes, porque não calculou direito o tempo que levaria de sua casa até aquele bairro inóspito de shoppings e ruas opressoras.


Conseguiu se concentrar no livro e por alguns minutos esqueceu que estava lá. O poder inebriante de uma história de nos transportar a outros lugares é a maior benção de um livro, segundo ela.


Foi só porque esqueceu aonde estava que, de repente, o piano fantasma começou a tocar e agora não era mais fantasma, havia de fato um jovem pianista ali, tocando ironicamente “Somewhere Over the Rainbow” . E o presente entrou em suspensão, ela era a Dorothy sendo levada dali para outras esferas da realidade.


Olhou para o pianista como quem quer dizer: “obrigada”. Mas ele, cumprindo uma rotina diária de pianista de shopping, parou de perceber qualquer sinal de agradecimento de qualquer ser humano. Tocava automaticamente pensando no café que iria tomar depois, aonde iria tocar naquela noite, se pagara o aluguel naquele mês, na mulher que está tentando sair, ou nem pensando em nada, apenas executando. Bom trabalho, de qualquer maneira, um emprego honesto, onde muito músicos virtuoses, mas com problemas financeiros gostariam de pegar. Afinal, não comprometeria em nada sua paixão.


Não percebeu nem uma garotinha com os pais que se aproximou do piano e sorriu para ele, ou para a música, e fez seus pais pararem tudo o que estavam fazendo, para ouvir.


A garotinha estava realmente feliz. Uma felicidade tão plena que sentou ao lado da mulher com o livro, em outra poltrona giratória e, ao som do piano, começou a rodar. Ela sim, tinha a alma livre, ela sim, sabia viver e não se comparava com ninguém e não olhava para ninguém pois não havia com que se preocupar a não ser, ser.


Como estava feliz...


O pianista, tocando automaticamente não conseguiria compreender o bem que ele fazia a poucas pessoas naquele shopping.


A mulher observou algumas delas, uma ou duas, que também pararam por poucos segundos, ouviram um pouquinho a música e continuaram rumo a seus objetivos consumistas.


O dono do shopping devia saber disso: que nem a música mais linda do piano é párea para um ambiente onde comprar é o verbo protagonista. Vai ver que por isso mesmo contratou um pianista, para agradar aqueles que, assim como a mulher e a garotinha, preferiam consumir outras coisas.


Que bom. Porque aquele lugar virou a melhor parte do dia das duas. A mulher aprendeu muito com a garotinha feliz, ouvindo a música na poltrona giratória, e a garotinha sorriu para a mulher, as duas cúmplices de uma alegria quase não permitida ali. Os pais que a observavam de longe, finalmente a chamaram, e ela , no seu papel de filha, teve que obedecer, mas espertamente aproveitou cada segundo da despedida: levantou lentamente da poltrona, andou passo a passo bem devagar, parou mais um pouquinho, se aproximou do pianista que nem a olhou, e foi, assim, feliz, embora, com os pais.


A mulher agora queria agradecer à garotinha, por todas as coisas que aprendera no tempo daquela música, que agora não era mais “Somewhere over the Rainbow”, era “Summertime”. Olhou mais uma vez para o pianista, que continuava desconcentrado dentro da sua rotina e partiu. Já tinha feito a hora suficiente para o médico, talvez, estava até atrasada. Com tantas impressões o tempo passa voando. E foi, sabendo agora que até em um shopping a vida pode entrar em suspensão...

http://www.youtube.com/watch?v=eq0EWNuR1H8
 

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